Assédio Moral no Serviço Público

O assédio moral no serviço público é uma realidade preocupante que merece atenção especial. Esse fenômeno, caracterizado por comportamentos abusivos e sistemáticos no ambiente de trabalho, não apenas viola os direitos fundamentais dos trabalhadores, mas também desestabiliza a estrutura e a eficiência da administração pública. A gravidade do assédio moral reside não apenas em suas consequências imediatas para a saúde mental e o bem-estar dos servidores, mas também no impacto negativo que tem na prestação de serviços públicos e na confiança na instituição governamental.

Historicamente, o setor público é marcado por uma hierarquia rígida e uma cultura que, em muitos casos, pode facilitar o surgimento e a perpetuação de práticas abusivas. Essas práticas incluem desde a sobrecarga de trabalho até o isolamento, a ridicularização e a desqualificação profissional, criando um ambiente hostil e desmotivador. O problema se torna ainda mais complexo devido à estabilidade no emprego, que, embora seja uma proteção para o servidor, em alguns casos pode também contribuir para a persistência de ambientes tóxicos de trabalho, onde os indivíduos sentem-se impotentes para provocar mudanças ou buscar justiça.

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise da legislação e da jurisprudência sobre o assédio moral no serviço público brasileiro. Buscamos fornecer uma visão abrangente do tema, enfatizando a importância de um ambiente de trabalho saudável e respeitoso, essencial para a eficácia e a integridade da administração pública.

Legislação e Fundamentos Constitucionais

A legislação brasileira, embora não apresente uma lei específica abordando o assédio moral no serviço público, oferece uma estrutura legal que protege os trabalhadores contra tais práticas. Esse arcabouço legal é sustentado por fundamentos constitucionais e por normativas específicas que, juntas, formam a base para o combate e a prevenção do assédio moral no ambiente de trabalho.

A Constituição Federal é o alicerce do ordenamento jurídico brasileiro e estabelece princípios fundamentais que salvaguardam a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV). Esses princípios são essenciais na interpretação de casos de assédio moral, pois reforçam a ideia de que todo trabalhador tem direito a um ambiente de trabalho respeitoso e digno. Além disso, o artigo 6º reconhece o trabalho como um direito social, reafirmando a importância de proteger os trabalhadores de práticas abusivas.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), em seu artigo 11, pode ser invocada em casos de assédio moral, especialmente quando há abuso de poder e violações dos princípios da administração pública. Essa lei pune atos que atentam contra os princípios da administração pública, incluindo ações que causam prejuízo à moralidade administrativa.

Além das normas federais, existem legislações estaduais específicas que abordam o assédio moral no ambiente de trabalho. Um exemplo é a Lei nº 3921/2002 do Estado do Rio de Janeiro, que define de forma mais detalhada o que constitui assédio moral no trabalho, incluindo a exposição do servidor a situações humilhantes e constrangedoras.

Jurisprudência

O tratamento do assédio moral no serviço público pela jurisprudência brasileira revela uma abordagem progressiva e atenta à gravidade do fenômeno, buscando proteger a integridade e os direitos dos trabalhadores. Vamos explorar como os tribunais têm interpretado e aplicado a legislação em casos específicos de assédio moral.

No caso “TJ-ES – APL: 00004519020168080058”, julgado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, um servidor público municipal foi vítima de assédio moral caracterizado por desvio de função e constrangimento. O servidor sofreu desvio de função, uma prática onde o empregado é obrigado a realizar tarefas que não correspondem ao seu cargo oficial. Além disso, o servidor foi submetido a situações de constrangimento, que são indicativos de um ambiente de trabalho hostil e abusivo. O tribunal reconheceu a responsabilidade objetiva do município no caso. Isso significa que o município foi considerado legalmente responsável pelas ações de seus funcionários ou agentes, independentemente de culpa direta, baseando-se no princípio da responsabilidade administrativa. Como parte do julgamento, foi concedida uma indenização ao servidor, reconhecendo assim o dano moral sofrido.

No caso “TJ-RS – AC: 70065468761”, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, um episódio de assédio moral no serviço público foi analisado sob a lente de divergências políticas. Esse caso é particularmente relevante por ilustrar como o assédio moral pode ser motivado por questões políticas, criando um ambiente de trabalho tóxico e prejudicial. O assédio moral estava intrinsecamente ligado a divergências políticas. O servidor foi exposto a um ambiente de trabalho hostil e inadequado. O tribunal manteve a condenação por dano moral, reconhecendo assim a gravidade do assédio sofrido pelo servidor. A indenização serve não apenas como uma compensação para a vítima, mas também como um meio de desencorajar práticas semelhantes no futuro. Esse caso demonstra a resposta firme do sistema jurídico brasileiro em face de assédios morais enraizados em questões políticas, reforçando a importância de um ambiente de trabalho livre de perseguições e abusos de qualquer natureza.

No caso “STJ – AgInt no AREsp 1621580 / SP 2019/0343135-1”, em mais um episódio de assédio moral em um contexto claramente político, o Superior Tribunal de Justiça analisou a situação de um servidor público municipal de Estrela D’Oeste/SP, que sofreu assédio moral após as eleições municipais de 2012. O servidor, que apoiou uma candidatura adversária à do prefeito eleito, passou a ser assediado moralmente, com o esvaziamento de suas funções e sendo submetido a humilhações. O STJ confirmou a responsabilidade do município e manteve a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, reafirmando que o assédio moral é uma prática inadmissível e deve ser combatido. Esse é mais um caso que exemplifica como o assédio moral pode ser usado como ferramenta de perseguição política e que reforça a importância de proteger servidores públicos de abusos dessa natureza.

Características e Impacto

O assédio moral no serviço público se manifesta de várias formas, incluindo humilhações constantes, isolamento, desqualificação profissional, sobrecarga de trabalho e ameaças sistemáticas. Essas ações são frequentemente utilizadas para intimidar, menosprezar e desvalorizar o servidor, impactando negativamente seu desempenho e autoestima.

O impacto do assédio moral vai além do sofrimento individual. Ele afeta a saúde mental dos servidores, podendo levar a quadros de depressão, ansiedade e até mesmo a pensamentos suicidas. Além disso, cria um ambiente de trabalho tóxico, comprometendo a eficiência e a imagem do serviço público. A baixa moral e a desmotivação dos servidores assediados podem resultar em menor produtividade e qualidade nos serviços prestados, prejudicando não apenas os indivíduos, mas também a sociedade que depende desses serviços.

O assédio moral, portanto, é uma questão séria que requer atenção imediata e ações eficazes para prevenir e combater essas práticas no ambiente de trabalho público.

Prevenção e Combate

Para efetivamente prevenir e combater o assédio moral no serviço público, é necessário:

  1. Desenvolvimento de Políticas Claras: Instituir políticas bem definidas sobre o que constitui assédio moral, criando um padrão claro de comportamento aceitável e inaceitável. Essas políticas devem ser amplamente divulgadas e facilmente acessíveis a todos os servidores.
  2. Código de Conduta: Estabelecer um código de conduta que reforce os valores éticos e as expectativas comportamentais no ambiente de trabalho. Esse código deve servir como um guia para todos os servidores, destacando a importância de um ambiente de trabalho respeitoso.
  3. Programas de Treinamento e Conscientização: Implementar programas regulares de treinamento para gestores e servidores, visando aumentar a conscientização sobre o assédio moral, suas consequências e como preveni-lo. Esses programas devem também educar os servidores sobre como identificar e reportar incidentes de assédio.
  4. Canais de Denúncia Seguros e Confidenciais: Estabelecer mecanismos seguros e anônimos para que os servidores possam relatar incidentes de assédio sem medo de retaliação. Esses canais devem garantir a confidencialidade e proporcionar um ambiente seguro para as vítimas falarem.
  5. Cultura Organizacional Baseada no Respeito: Promover uma cultura organizacional que valorize o respeito mútuo, a integridade e a diversidade. Isso pode ser alcançado por meio de iniciativas que incentivem a colaboração, o apoio mútuo e um ambiente de trabalho inclusivo.
  6. Responsabilização dos Gestores: Assegurar que os gestores compreendam sua responsabilidade em prevenir e responder ao assédio moral. Eles devem ser treinados para identificar comportamentos abusivos e agir de maneira apropriada e imediata para resolvê-los.
  7. Processos Transparentes e Justos: Criar procedimentos transparentes e justos para lidar com as queixas de assédio moral. Isso inclui investigações imparciais, ações disciplinares apropriadas para os infratores e suporte adequado para as vítimas.

Conclusão

O assédio moral no serviço público brasileiro é um problema sério que afeta não apenas os indivíduos, mas também a qualidade e a eficiência do serviço público. As iniciativas para prevenir e combater o assédio moral devem incluir políticas claras, treinamento, canais seguros de denúncia, e uma cultura organizacional de respeito. As decisões judiciais reforçam a necessidade de proteger os trabalhadores e de responsabilizar os infratores. É essencial que os órgãos públicos adotem uma abordagem proativa para assegurar um ambiente de trabalho digno e respeitoso para todos.

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